Egito: Medinet Habu, um templo em memória da guerra

O preservado e pouco conhecido templo mortuário de Ramses III


Quando eu segui viagem para o Egito não fazia ideia do que era Medinet Habu. Até mesmo no dia em que eu cumpriria o roteiro pela Necrópole de Tebas, já tendo algumas informações sobre esse templo, ainda não tinha a noção de que eu estava a caminho de um dos templos mais imponentes do Egito e acabei sendo surpreendido pela magnitude e preservação deste templo colossal de Ramses III.


COMO CHEGAR?

Medinet Habu fica na margem oeste do Nilo, na região da necrópole da antiga cidade de Tebas (atualmente Luxor). Contratei um taxista da cidade para ficar à disposição de percorrer toda a área da necrópole, sendo Medinet Habu o fim da linha no tour. Se você vai apenas a Medinet Habu, um jeito mais barato de chegar é atravessar o Nilo de ferry e pegar um táxi na margem oeste.

Bilheteria da entrada Medinet Habu


O templo fica localizado próximo ao Vale das Rainhas, cerca de 2 km de distância. Esta aberto ao público diariamente, das 6h às 17h. O valor do ingresso é de 40 EGP (agosto 2014). 


O TEMPLO MORTUÁRIO DE RAMSES III

A construção de Medinet Habu na necrópole de Tebas não foi a toa, era o templo em memória do faraó Ramses III. Assim como o Ramesseum é o templo mortuário de Ramses II, esse segue a mesma linha, tendo o próprio faraó construído para sua própria memória e para ter seus feitos lembrados após a morte. Ramses III construiu essas paredes com mais de 7.000 metros quadrados de relevos, retratando a sua imagem como um combatente voraz em meio a muitas cenas de guerra.

Na entrada para o templo já existe cenas de guerra


A entrada era bem incomum para um complexo egípcio, copiada talvez de cidadelas que Ramses III tenha visto em campanhas militares na Síria. A torre tem a forma de um "migdol", característica comum da arquitetura de fortalezas asiáticas. O complexo, portanto, tinha a aparência de uma fortaleza, possuindo um muro de tijolos de barro de 18 metros de altura que já não existe mais.

Diferente de outros templos, aqui existe uma torre de 3 andares


Antes de entrar no templo propriamente dito, existe uma série de capelas na lateral esquerda dedicadas à adoração do deus Amon.

Estátua de granito da deusa Sekhmet


Interior de uma das capelas


Estranha pedra de granito usada em cerimoniais


Uma marca da técnica de junção de rochas encontrada também em Tiahuanaco, na Bolívia


PRIMEIRO PILONE

Já percebeu que alguns templos seguem esse formato de uma grande torre em forma de muralha na entrada? É um pilone, um elemento clássico da arquitetura do antigo Egito. No interior das torres de um pilone poderiam existir quartos. Normalmente, nas paredes das torres haviam cenas do faraó a castigando os inimigos.

O primeiro pilone é a porta de entrada no templo


Simbolicamente, a forma do pilone representava a imagem de dois montes entre os quais nascia o sol, assim como as duas margens de terra entre as quais corria o rio Nilo. Mitologicamente, as duas torres eram identificadas com as deusas Ísis e Néftis, que ajudavam o sol no seu nascimento.

Relevos e inscrições falam das vitórias de Ramsés III contra líbios e asiáticos


Vários discos solares alados e outras artes no teto do primeiro pilone


Um detalhe no teto do portal: encaixe para uma provável porta


Após o pilone havia um pátio, que era a parte pública de um templo egípcio. Ao contrário dos atuais locais de culto religioso, um templo egípcio só era acessível ao faraó e aos sacerdotes. Este pátio era a única área que o povo poderia entrar e mesmo assim apenas em datas especiais.

O primeiro pátio de um templo está rodeado de estátuas e cenas de guerra de Ramses III


Ramsés III está personificado como Osiris nas estátuas do primeiro pátio


Detalhe dos pés restaurados


CENAS DE COMBATE E DE BIZARRICE

A principal característica de Medinet Habu e que me chamou a atenção por ser bem diferente do que eu havia observado nos outros templos são as violentas (e excessivas) cenas de combate envolvendo o faraó Ramses III. Parece que ele queria ser imortalizado como um grande guerreiro. Se ele realmente foi assim não dá para afirmar, mas quem for acreditar nos relevos vai achar que ele era o Rambo do antigo Egito!

Ramses III segurando os inimigos pelo cabelo para dar o golpe fatal


Outra cena de execução do inimigo pelo faraó que parecia o Rambo!


As paredes do templo retratam vitórias sobre asiáticos, líbios e os chamados povos do mar. Algumas teorias falam que esse tal "Povo do Mar" poderia se referir aos minóicos da Ilha de Creta.

Cenas de combates sangrentos registrados com Ramses III sempre em superioridade


A cena mais curiosa de todas está no primeiro pilone, do lado esquerdo no pátio interno. A ilustração mostra Ramses III obrigando seus inimigos a entregar seus pênis após derrotados. Eles fazem filas para a entrega dos pênis, formando uma pilha deles lá! Tudo sendo supervisionado pelo próprio faraó, representado em escala de importância maior.

Os inimigos vencidos entregam seus pênis a Ramses III, sendo contabilizados pelos escribas do reino


O recolhimento dos pênis dos inimigos seria um método de contabilidade de determinar quantos mortos em batalha


Com certeza essa é uma das cenas mais bizarras retratadas nos templos egípcios


SEGUNDO PILONE

Depois do segundo pilone, adivinha? O segundo pátio! rs. Neste pátio havia uma igreja feita pelos coptas na era cristã. Quando a igreja cristã foi construída, as figuras de Osiris foram retiradas, porém, sem querer, os coptas fizeram algo positivo pelo templo: eles cobriram as paredes com barro para esconder as figuras de deuses egípcios e, com isso, acabaram ajudando a preserva-las até hoje. As ruínas da igreja copta foram removidas mais tarde.

Teto todo decorado do segundo pilone


Ramsés III realizando oferenda aos deuses. Tudo mostrado em grande escala


Cenas da prática de caça pelo faraó registradas na parede


Nas paredes deste templo existe uma lista menor de faraós do Império Novo do antigo Egito


Ramses III sendo abençoado por Hórus que lhe entrega Ankh (a vida)


O rei na presença de Osiris e Hórus


Outra característica bem marcante de Medinet Habu são seu hieróglifos talhados em baixo relevo. Os artesãos da época perceberam que as inscrições feitas dessa forma duravam mais do que o alto relevo. A profundeza que eram cavadas nas pedras faz a construção ficar ainda mais impressionante.

Efeito dos largos hieróglifos escritos em baixo relevo


A profundeza das inscrições dá um destaque especial


Os corredores e colunas inscritos fazem deste templo uma bela obra de arte preservada


Serpentes e o disco solar sempre representados


A SALA HIPÓSTILA

O telhado desta sala foi originalmente suportado por 24 colunas, sendo que as oito mais espessas formavam o corredor central, no mesmo estilo do Templo de Karnak e do Ramesseum. A diferença é que o teto por aqui desabou, existindo apenas as bases das colunas no lugar.

O disco solar alado da última porta é um dos mais preservados


Existia cerca de 24 colunas que hoje só sobraram as bases


Nas ruínas está um par de estátuas de Ramses III com Maat e Thoth


Quantos registros históricos e conhecimentos antigos se perderam ao desabar o teto do templo?


Observei a existência desses furos aparentemente sem explicação


Os furos misteriosos aparecem em mais de uma parede. Seriam apenas enfeites ou tinham algum significado?


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Sobre o autor

Sobre o autor
Renan é carioca, mochileiro, historiador e arqueólogo. Gosta de viajar, fazer trilhas, academia, ler sobre a história do mundo e os mistérios da arqueologia, sempre comparando os lados opostos de cada teoria. Cada viagem que faz é fruto de muito planejamento e busca conhecer o máximo de lugares possíveis no curto período que tem disponível. Acredita que a história foi e continua sendo distorcida para beneficiar alguns grupos, e somente explorando a verdade oculta no passado é que se consegue montar o quebra-cabeça do mundo.